BEIJA-FLOR
Hoje eu acordei… Acordei
com o choro do nosso filho.
Levantei. Afastei-me de ti,
mas quando olhei para trás:
ainda tinha o braço pesando
sobre a tua cintura, a perna
metida entre as tuas, minha
testa, tua nuca se escorando.
(Quem era aquele estranho eu,
se eu mesmo já à porta o via?)
Confuso, tomado de ciúmes,
quase me detive. Quase...
Mas acordara com o choro,
o chorinho do nosso filho.
E deixei o impostor p’ra volta.
O berço fosforesce
de um lilás transcendente.
Olhei através da parede e
vi de novo o outro Igor,
prendendo o teu pé entre
as coxas, bebendo os teus
cabelos, inerte, adormecido.
Regressaria logo! e implacável!
como Odisseu de torno a Ítaca!
Mas o rosto iluminado do nosso
pequenino me roubou da sanha;
enxuguei a sua lágrima argenta;
pus a junta do dedo sobre a sua
mínima boquinha. E ele a sugou.
Senti então a tua mão de leite
a envolver o meu pescoço teso.
Cerrei os olhos... Abri os olhos
e o recolhias já do berço, nosso
beija-flor, para a paz do teu seio.
Igor Buys
Ilha Grande, 24 de julho 2019
Craig Tracy; bodypainting
