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ENTREVISTA

DE 30 DIAS

 Entrevista de trinta dias corridos à  editora, colunista e atriz Marina Cervini

TEORIA DO CONHECIMENTO: PROJEÇÃO DO MEU CORPO MATERIAL
ATRAVÉS DO MEU VERSO

Marina Cervini: Igor as suas poesias chegam a ser sensórias diante da delicadeza e sensualidade das palavras. A que você atribui este tipo de sensação causada diante da leitura de suas poesias?

Igor Buys: Obrigado pelo elogio, Marina. Bem, pode soar místico, à primeira vista, se eu disser que projeto um — corpo através dos versos. Entanto estamos a falar de Teoria do Conhecimento; não trabalho, particularmente, com qualquer noção oriunda do misticismo. Muito menos do espiritualismo. Não concebo a idéia de um espírito fluídico. Espírito é verve, são os intelectos. Ou é o produto do trabalho combinado dos intelectos, o mundo. Mas corpo o que seria? Podemos dizer que temos diversos corpos, como querem, inclusive, os espiritualistas influenciados pelos hindus.

 

Podemos falar de um corpo imagético — ou do conjunto das imagens externas do corpo mesmo —, que habita no tempo (seqüencial), i.e., no tempo como é trivialmente concebido, ou, mais especificamente, habita no — aí e agora. Podemos falar, ainda, de um corpo em si, incondicionado, essencial, um corpo que é coisa-em-si, que nunca apreendemos através de imagens especulares, de abstrações, de signos e que habita o — aqui, o “tópos” (τοπος), o lugar pré-temporal do absoluto interno. E podemos falar, ademais, de um corpo projecional, ou material puro. Matéria, segundo toda a tradição do pensamento, é aquilo — que se move no espaço; e esse corpo material puro é o que se move em nós para que possamos aprender a linguagem falada, por exemplo. Aprendemos a falar, pondo-nos no lugar do falante que observamos: só assim, é possível quebrar as ditas inescrutabilidade e relatividade da referência.

 

Foi metodicamente provado que não seria possível associar-se com exatidão e segurança o signo à coisa em si, o que tornaria a linguagem impossível. Não obstante, a linguagem é, concretamente, possível e nós constituímos o mundo, coletivamente, por meio da linguagem. O que possibilita isso, já se adiantou, é a faculdade de nos transportarmos ao ângulo de visão do outro; de nos transportarmos, com a nossa identidade, à sua perspectiva histórica: ao “tópos” (τοπος) da sua identidade — uma operação mental e metafísica, não espiritual, ou mística, repito para enfatizar. Esse processo é o transporte empático. A ciência indutivo-experimental vem demonstrando que os grandes macacos, nossos parentes mais próximos na evolução, também podem levar a cabo o transporte em questão, i.e., também são dotados de — inteligência empática. E a partir daí surgem as especulações sobre o que se chama células-espelho: uma discussão científica ainda controversa.

O corpo material, congruente com a nossa identidade, ao mover-se em direção à posição histórica ocupada pela identidade do outro, executa a primeira fase do processo de empatia: a projeção. Em seguida a esta, vem a reflexão, para usar dos termos cunhados por Teodoro (Theodor) Lipps (1851-1947), de quem era grande admirador Sigmundo Freud. Uma vez abordada a posição espaço-temporal do interlocutor pela minha identidade, que mais não é que um signo, ou, para ser preciso, — um índice do meu Eu-absoluto, eu passo a refletir a sua identidade na minha: ocupo o lugar do seu corpo material, fundo-me a ele, e, então, posso saber como ele associa as representações que faz das coisas às coisas mesmas.

 

Em relação à leitora e ao leitor dos meus versos, dá-se, outrossim, esse transporte metafísico da minha identidade ao lugar da sua identidade, pois o processo está plasmado na letra. E, nesse sentido, o meu verso é um expediente invasivo: eu estou, — efetivamente, lá, ao redor, pela casa, no quarto, na vida, na consciência e no inconsciente de quem se detém sobre o que escrevo. E, mimeticamente, assumo uma presença entre os seus corpos (metafísicos, cognitivos). Isto é ciência apenas; é teoria do conhecimento, nada de... sobrenatural. Mas nos remete à lenda do íncubo e, poeticamente, não deixa de ser interessante dizer que eu, inclusive por estar muito consciente desse processo, sou capaz de projetar um — íncubo, realmente, que pulsará vivo no âmago de quem se aprofunda na leitura do meu verso, do meu verbo criativo.


04 de maio de 2014

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