ANGÉLICA
Porque os teus cabelos eram como a pedra líquida que rasga a montanha bruta,
e jorra forte, e é chama, é chama;
porque a tua pele era como a neve que recobre o solo, a relva, e acaricia a lebre,
alva, tão alva, e é refrigério, refrigério;
porque teus olhos eram glaucos, mais azuis à borda e, ao centro, esverdeados: mel,
mar, nau altivolante entre ar e água.
Porque a tua voz diz paz e as tuas palavras, bondade; porque os teus lábios são de rosa,
de rosa apenas entreaberta.
Porque eu abracei o colo da lua e o meu rosto encontrou o teu, morno, lácteo, impossível de ser menos que real e angélico.
Porque estive perdido em meio a sombras e pavores como Orféu num mister inglório e a tua luz me resgatou e me lavou inteiro.
Porque eu estou nu diante de ti e não sonho te tocar; mas minha alma oscula a tua testa, a tua pálpebra, o teu lábio, a tua palma.
Porque a tristeza faz meu corpo pesar como chumbo, mas a esperança de adormecer aos teus pés me empresta asas poderosas!
Porque eu quero o que nem sei querer, o que não confesso à própria querença e, ainda assim, isso me iça à frente e diviso...,
diviso um vulto que não sei se é teu, mas emerge também dum clarão, contornos incertos, e, vestida de branco, me estende as mãos… As mãos.
E eu as seguro, e me ajoelho, e deito sobre elas minha face, minha lágrima. E revivo.
Igor Buys
Ilha Grande, 03 de março de 2019
Kristiana Pelse