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DA MARAVILHOSA PRERROGATIVA DO — ERRO

1. A doutrina cristã comporta o fundamento de que Adão se tornou mau, se degenerou e transmitiu sua maldição aos homens porque – errou.

2. Entanto o erro é um patrimônio tal do ser humano que pode ser dito, de um ponto-de-vista laico, algo maravilhoso, alado!...

3. Sim: o erro, que está na genética dos seres vivos, está na duplicação dos caracteres, segundo desvenda Darwin: permite — a evolução.

4. Todos os viventes, animais e vegetais, evoluíram de formas mais símplices graças ao erro, que produz o melhor e o pior, prevalecendo aquele.

5. Mas só o homem é capaz de errar nos seus atos, nas suas opções, na sua inteligência das coisas: só o homem tem esse dom maravilhoso!

6. Meu irmão é biólogo e pesquisador e, certa vez, me disse que nada justifica, em termos teóricos, a evolução do homem coa aceleração em que se deu.

7. Ao menos, para a ciência contemporânea não faz sentido. O meu irmão, diga-se de passagem, apesar de cientista, é um espiritualista.

8. Eu, de mim, que não sou espiritualista, não buscaria a solução do mistério sobre a evolução do homem nem em Deus, nem em... astronautas.

9. Sou capaz de lançar a suposição de que a evolução inconcebivelmente acelerada do humano possa ter explicação – na linguagem.

10. O homem faz parte da superfamília zoológica dos seres a que os britânicos chamam apes (Hominoidea) junto, p.ex., com os gorilas.

11. Mas, entre os homens e os gorilas, há essa diferença que talvez seja mais importante que qualquer outra: os descendentes de Adão — erram.

12. A semente de Adão, amaldiçoada pelo cristianismo, seu pecado, quiçá é o motor de toda a transformação que nos afasta dos apes.

13. O erro na linguagem, o ruído, a nuança de interpretação geram as coisas que não estão previstas: as coisas futuras, imaginárias, possíveis.

14. No brinquedo chamado telefone sem fio (muito anterior ao eletrodoméstico homônimo) a mensagem se transforma em algo surpreendente novo.

15. Ora, a inteligência imagética (que depende da sua porção imaginativa) cabe o erro, cabe a mutação, a associação inusitada, a nuança: o novo.

16. A criatividade perpassa até as filosofias arraigadas à lógica verbal e à dialética, pois a novidade, in casu, está na pergunta thaumática.

17. Assim, quem experimenta o espanto diante das coisas e se pergunta algo de inusitado, intrigante, nunca dantes perguntado, faz a filosofia.

18. A sociedade do corpus christianum medieval é uma idade de imobilidade e retrocesso, porque, então, fundou-se um “planeta dos apes”.

19. A lógica, esse oráculo frio, inumano, mágico, fornece a verdade exata, sem possibilidade de suposição, imaginação ou futuro.

20. Tudo tende a convergir nessa sociedade para o estanque, o absoluto, o resolvido, o indefectível: o Deus, a Verdade, filha de Platão.

21. Já a suposição, a assertiva poética, comporta conscientemente uma — margem de erro, de inexatidão, de aproximação, de criação e de... vôo!

22. Os apes até erram um galho no salto, mas só comem do fruto certo, não voam em direção ao fruto proibido, sabidamente — pecaminoso.

23. O fruto pecaminoso é erótico, é desejado; e o desejo, segundo Peirce, difere da vontade porque gera o sonho, enquanto esta gera já o ato.

24. As asas eróticas de Adão e seu pecado, seu erro, ecoam em todo discurso contra a raça dos únicos seres capazes de desejar, sonhar — e amar.

25. Deus não pode desejar ou sonhar: sua vontade se externa, incontinênti: em fato. A animália também transforma logo em ato seu desejo-vontade.

26. Só o homem ama desejando, eroticamente, sonhando, transformando o presente em futuro, em possibilidade, e isso demanda asas de Ícaro.

27. Ícaro é o Adão dos gregos, pois é ele quem voa em direção ao Sol e erra! peca contra Hélios! contra Apolo! contra o princípio determinista!

28. A liberdade não existe, é ficta; o que existe é a apodixe do indivíduo, mediante o determinismo, que só se deixa romper... sim: pelo Erro!

Igor Buys

31 de julho de 2011

Reprodução: cartaz do filme "O Planeta dos Macacos" (1968)

Reprodução

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