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BREVE SOLILÓQUIO SOBRE O AMOR FATI COMO EXPRESSÃO DO REALISMO ROMÂNTICO EM NIETZSCHE E NOS HELENOS

1 - Nietzsche é tradicionalmente contado entre os românticos; tem todas as características essenciais desse grupo; mas ele também é um realista.

2 - Já o temos dito ultra-realista, no sentido de que, tal como Marx, procura remover do seu modelo toda marca do idealismo e da ontologia.

3 - Expressão inequívoca em Nietzsche dessa união, entre as perspectivas romântica e realista, é o seu conceito de — amor fati.

4 - Deve-se amar os fatos da vida na sua efemeridade, aparentes e transitórios, ainda quando penosos. Nestes se deve vislumbrar o belo trágico.

5 - A sublimidade dos fatos da vida não está na sua eventual delícia, também transitória e efêmera, mas, sim, na sua apreensão ilimitada.

6 - E só o que se completa na cena trágica do mundo ganha tal dimensão: de fato ilimitado, a qual assoma quando decai a imagem apolínea.

7 - Com a catástrofe, na tragédia grega, i.e., com a consumação da ação trágica, emerge o ilimitado: os que morrem ressuscitam: catasterizam-se.

8 - Na corrida de touros, quando o touro é imolado, não se o pode mais matar: o touro se torna imortal; pois matar o touro é castrá-lo.

9 - É fazê-lo volver a boi, i.e., — a não-touro. A arena é o último palco onde o touro poderia ser destruído, morto, transformado em sombra.

10 - [...] e falei-lhe, então, sobre o Marighella.

11 - Marighella era um revolucionário nato; preso e seviciado pelo Regime Contra-Revolucionário Estadunidense, ainda voltou à luta armada.

12 - Assassinando-o, também não o puderam matar. Talvez Geraldo Vandré tenha sido morto, e apenas por seu próprio medo, mas Marighella jamais.

13 - E não foi isso mesmo o que Jesus nos ensinou: que todo aquele que derrama nos atos toda a sua essência logo ressuscitará pra a imortalidade?

14 - Que, tão breve como em três dias, sendo o três o número do divino, aqueles que se derem com amor às suas metas e missões serão vistos vivos?

15 - Eis a metafísica romântico-realística do trágico como opera sobre os fatos da vida: resgatando-os da efemeridade e da morte.

16 - O absoluto depende dos fatos para viver; as imagens fáticas se desfazem incessantemente; só — o sentir, o que se injeta no ato, é ilimitado.

17 - E, se infinitas vezes, aqui mesmo estivermos, neste exato local, ano e hora, só o que nos garantirá a vida plena será esse amor dos fatos.

18 - Essa sinceridade em relação às próprias pulsões, que permite fugir ao Tártaro: o inferno da incompletude, da falta e da ânsia infinitas.

19 - Nesse degredo — o infinito indefinido, os hedonistas covardes, os consumistas fúteis, mesquinhos, devorar-se-ão a si mesmos: eternamente.

20 - Os contemplativos tornarão ao — infinito definido: viverão como entes ctônicos; mas alguns conhecerão a catasterização e os Campos Elísios.

21 - A estes, os heróis, cabe o galardão maior: a eternidade na transitoriedade: reviver, qual Dioniso, o duas vezes nado, o ilimitado dos fatos.

Igor Buys 04 de setembro de 2012

Reprodução: Marighella

Marighella

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