CARRINHO, CARRETEIRO
Por aqui, a gente se transporta
de onde está para onde estará
de três formas:
a pé
de bicicleta
ou de barco
Automóvel, na Ilha, só oficial.
Tem o do Bombeiro, que leva o povo ao posto de saúde,
tem os quadriciclos da polícia,
os carros da limpeza urbana
A retroescavadeira é um dinossauro abstrato:
seu contorno quer escapar da paisagem,
mais pesado que o solo, insulado na Ilha:
estranho a tudo, maior que tudo, que as ruas,
que as curvas. -- O monstro
Por aqui, a gente passa
de onde sabe estar
para onde quer se saber
de três jeitos
Mas as coisas se vão conosco por dois meios só:
de novo o barco, seu arco e seu marco sobre as vagas
e o carreteiro.
Bagagem, malas, mudança,
coisas do dia-a-dia, aquilo que se compra no continente,
aquilo que chega pelo correio e pelo cais embarcado
carrega no tempo lá e no espaço já
o carrinho do carreteiro
Chamar o carreto é como chamar um táxi.
Telefone na mão, cada um tem o seu de confiança
O carrinho do carreteiro
carrega, rangendo, rolando
a carga, o caderno, a poesia
por sobre pedra, por sobre poça
cantando como só o metal e o metal só
sabe cantar tão triste, com voz de sal e ferrugem
o carrinho, o carreto
o carrinho do carreteiro
Lá se vai uma saudade guardada num vaso, uma esperança,
uma lembrança sentada numa cadeira de braços
E puxando a cruz do carro, meio alado
meio ferro e meio música,
se vai ele, se vai ele viela acima
o carreteiro e seu carrinho
o carreteiro e seu carrinho
Igor Buys
31 de dezembro de 2017