MARMORADA
És a única verdade,
a única mentira.
Tudo que silencio
e não sei calar.
Brada, plange no entorno,
no interno e além.
O inconfessável.
O único impossível
e a única possibilidade.
Tudo o que soube perder
e tudo que jamais tive.
Eu tenho a tua ausência,
mistura de morte e vida.
Esse corpo de cristal negro
que emerge do mar me sorrindo,
vertendo gotas acesas por todas as cores,
e me abraça o pescoço gelado,
e me oscula os lábios salgados,
e remexe os meus cabelos com seus dedos
úmidos.
És o único problema, a única dis-
solução.
O altruísmo único (heróico).
A única saudade.
O calafrio.
A gota ardente de todas as cores.
A lua.
O mar.
O mar dilua
de lua o Além-mar.
Escadaria platinada, rolante, deslizando,
convidando a um mundo novo, -- ultramoderno.
Sublimado, eterno! Fluidoso*..., uterino. Um mundo outro
ultra-
[útero]
[mãe]
[ultramarino, ultra-]
mar.
A tua ausência é a única verdadeira
namorada. Sua mão de opala,
toque molhado, suas coxas
suadas já a me envolverem,
joelhos à minha volta. Seus cabelos
de alga e mordida, a ostra tenra entre-
aberta para mim, tão gélida como cálida,
língua marinha de vaga suave,
beijo de fogo e de água...,
de vento e de mágoa.
A cicatriz do relâmpago.
Tua face azulecente.
Ai, bebe as minhas pálpebras,
meu rosto, meu peito aberto!
Unhas de sal e areia.
Pérolas, gotas
flores de todas as cores a explodirem
na areia de mariscos
ou louça espedaçada
no quebra-mar.
Lava-me.
Vela-me.
Enleva-me...
Leva-me!
Deixa-me
a tua ausência.
A tua ausência
de carne diáfana
como água-viva.
Única vera namorada.
Que me sorri por cima do ombro:
nácar rosa, turmalinas.
A tua ausência
de costas perfeitas,
esculturais.
Marmoradas.
Igor Buys
Ilha Grande, 19 de outubro de 2019
Black light body painting
