BEIJO
Encontrar nos empórios
o mel de laranjeira mais dourado.
É preciso deitar-te sobre o leito,
deixar queimarem uns incensos
no vizinho cômodo de orar;
segurar tuas mãos unidas,
levemente dominadas
acima da cabecinha.
É mister molhar os dedos no pote,
roçar o mel da cor dos teus cabelos
nessa tua boca intraduzível.
Beijar essa boca demanda paixão e técnica.
Que a minha língua deslize, passeie
adocicada nos teus lábios, na tua língua,
nos teus lábios de mel, na tua língua.
Morangos se rasgando, pétalas,
borboletas se debatendo, tantas formas
assaltam a mente, mas nada há na Terra
que consiga espelhar essa tua boca perfeita,
irredutível. E é preciso, é necessário
bebê-la com o coração sequioso,
vagando por um deserto de sofreguidão.
É preciso, é premente não soltar
as tuas mãos de por sobre a cabecinha
e com a mão que me sobra besuntar
o teu ventre, o teu umbigo,
as tuas coxas de sal e açúcar.
Beijar a tua boca demanda tempo.
É preciso que a mão viajante
procure as delícias mais atrevidas
e cegas, pois que meus olhos
só podem ver, ora os teus olhos, ora
os meus sonhos, os teus verdes infinitos
olhos, os meus rubros afogados sonhos.
Os dedos precisam ser hábeis;
dedilhar-te como a um violão de fogo,
um piano de maciez e precisão,
um violino cortado de ardências,
enquanto bebo os teus gemidos,
teus sustenidos.
Os teus pêlos de favo, tuas curvas
marítimas; é necessário sentir os teus
pés indo e vindo na cama, tuas narinas
aflitas soprando jatos de ânsia,
e as bocas muito abertas, grito amorda-
-çado e uno, feito de carnes encharcadas,
amigas, se devorando tão cúmplices.
Já teus pés vêm e vão com mais força,
repuxando, desmanchando o lençol,
e tu buscas o ar do meu peito;
sobe e desce o teu abdômen,
estremeces, orvalhando-me...
Igor Buys
25 de junho de 2009
In 'Versos Íncubos', 2014