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SOBRE A POSSIBILIDADE DO HEDONISMO E O PORQUÊ DE ALGUMAS LINDAS MULHERES SEREM FRÍGIDAS

I – Sobre as "cantadas" rituais dos meus horários de almoço e a possibilidade do hedonismo

Quando eu trabalhava no Castelo, no prédio da Justiça Federal, Av. Rio Branco, 243, uma área muito movimentada da Cidade Maravilhosa, onde as pessoas andam trajadas de modo formal, as mulheres, de scarpin, tailleur ou saia justa e blusa, maquiagem e cabelos feitos, todos os dias, na hora do almoço, como se diz em linguagem de rua: cantava alguém. Sim, todos os dias, religiosamente. Era um ritual quase sagrado dos meus trinta e poucos anos e fazia parte da alimentação emocional que deve acompanhar qualquer refeição saudável. A cantada começava sempre com um chiste, pois seguia, invariavelmente, aquele formato que virou piada nos anos oitenta: Oi, tudo bem? De onde eu te conheço mesmo? Nunca, ou quase nunca fugia disso. Porque a arte de abordar alguém na rua ou num restaurante, ou onde for, se é que existe e ninguém nunca me ensinou, decerto deve passar mais por quebrar a distância física de modo confiável, por ensejar um sorriso entre vulnerável e irreverente, mas nunca excessivamente confiante, do que pela escolha de palavras sofisticadas ou inteligentes, muito menos de frases feitas ou enformadas em esqueminhas pobres criados por "coaches de relacionamento" e outros tipos de charlatães. Estou longe de me considerar algum tipo de mestre ou especialista na matéria, mas sempre fui bem intencionado e humildemente esforçado no que concerne a conquistar atenções e, naqueles dias, um praticante constante desse exercício de simpatia (συμπάθεια) que é a popular cantada. O fato de pegar um número de telefone, ou de dar o meu não queria dizer, necessariamente, que eu fosse ligar para a pessoa com quem me comuniquei, ou receber sua ligação: sequer haveria tempo hábil para trocar tantos telefonemas. A cantada descontraída e, digamos, -- sem pretender sofisticar em excesso a abordagem --, não teleológica, ou, simplesmente, sem objetivo é uma satisfação em si mesma, para ambas as partes. Algo bem diferente da cantada séria, maturada, envolvendo uma proposta prática, que é como a sala de espera de um consultório odontológico: um transtorno necessário que se arrosta na vida algumas vezes, quando não há mais como adiar, e a que nos damos em prol unicamente do alívio que virá depois. O prazer deriva, quase sempre, de um desprazer, de uma necessidade, uma carência, uma falta que aflige o corpo, demandando ser superada no — tempo mais breve possível. Assim é a satisfação da fome, do desejo sexual, do sono; assim são as conquistas retardadas por longas esperas e que demandam empenho de esforços pessoais, como as formaturas em cursos importantes, as promoções no trabalho.

Mas voltemos à cantada descontraída, casual que, ao contrário da séria e premeditada, transcorre num tempo sem ânsia, prévia ou atual, porque não estava prevista em relação àquela pessoa determinada e, por vezes, sabemos, de antemão, como já dito, que, possivelmente, nem sequer ligaremos para a escolhida, mesmo que venhamos a obter o seu número. Acredito que o motor instintivo desse comportamento seja a necessidade inconsciente que talvez tenhamos de nos treinar na ritualística da abordagem. As baleias assassinas fazem aproximadamente o mesmo, quando torturam focas nas praias geladas do pólo norte, conforme esses mui educativos documentários sobre vida animal com que nos brindam alguns dos melhores canais de televisão por assinatura. As orcas são capazes de manter suas presas vivas durante longo tempo -- sobretudo, é claro, para as vítimas --, a despeito do farto sangramento, as segurando pelas caldas com as bocas imensas e as lançando para o alto, como sinistros e titânicos jogadores de voleibol, que preparam a cortada -- golpes desferidos com as grandes barbatanas caudais -- para os companheiros implacáveis, ou para si mesmos. E a foca-bola, a bola-foca não tem recurso, senão esperar, aos gritos, que os mamíferos marinhos terminem de apurar seus métodos e ferramentas naturais, bem como, possivelmente, os transmitir aos mais jovens e imaturos. Entre gatos e ratos, diga-se de passagem, ocorre coisa semelhante em palco bem menos platinado.

Eis como se deslinda a contradição que envolve o hedonismo: a busca artificial e consciente do prazer pelo prazer, que não deve ser precedida de um desprazer e de uma ânsia: é preciso não se estar com fome para apreciar um prato na condição de gourmet, e o prazer que se experimenta então só é possível porque serve para -- treinar nossos sentidos de modo a sabermos detectar a possibilidade do prazer como saciedade e o concretizar. Conhecer o prazer nos move a buscá-lo mais e mais e, sobretudo, quando é essencial para a manutenção da vida, individual e coletiva, i.e., do espécimen e da espécie: quando importa em satisfação de necessidades vitais e impulsos naturais. E é assim que a natureza utiliza Pavlov para nos condicionar a fazer o que é mais producente em relação à evolução.

Pensar na foca referida, entregue, relativamente resignada, ajuda a estabelecer uma conexão que vem a calhar com alguns comportamentos interessantíssimos diante de cantadas: a quem fique em transe, aceitando aquilo como algo de que não poderia se livrar com um simples passo mais largo ou um pedido de licença, e, ao mesmo tempo, afete uma expressão crucificada que faz lembrar as representações medievais das santas.

Entanto as cariocas, em geral, costumam ser descontraídas e assumem sorrisos e olhares tão extraordinariamente luminosos durante esses breves colóquios, que, quando não chegam a ser lindas antes de tal maquiagem que a metafísica da feminilidade lhes proporciona subitamente, já adornadas com os halos em questão, são capazes de doar uma beleza tão indelével como a das auroras sobre as praias: nada nem ninguém poderá nos roubar o tesouro dos seus semblantes.

Ora, não é difícil concluir que estas últimas sejam as mulheres orgásticas, as que conhecem o prazer e sabem brincar com a sua antevisão ou com o simples prazer da abordagem em si mesma, enquanto que as primeiras, aquelas tocantes focas paralíticas, ao seu modo, também interessantes, podem ser, no fundo, mulheres que desconhecem o prazer ou o tiveram muito raramente e já não se lembram bem do que se trata, de como era: enfim, estamos a falar das frígidas e das mal resolvidas em geral.

II – Por que algumas lindas mulheres são frígidas e como ajudá-las

Algumas mulheres não disfarçam a frigidez sexual renitente de que são pacientes. Instintivamente, talvez peçam ajuda ao ostentarem esse problema através de comportamentos emblemáticos para os instintos de qualquer homem vivido.

Os filmes de horror, por exemplo, podem substituir os românticos para pessoas carentes de vida sexual plena, quando a agonia das vítimas nas mãos de seres que as penetram com instrumentos perfurocortantes, assimilada por empatia, e empatia, quiçá, baseada no uso das ditas células-espelho, começa a trazer uma excitação compensatória que se soma, ainda, ao susto, à visão do sangue, à atmosfera de mistério. Todo o gestual que precede à morte, sendo um tanto afim do que acompanha o êxtase sexual, alimenta essa ordem de apreensão sensualista das carnificinas em cenas cinematográficas de horror, para não mencionar o cinema estadunidense como um todo, em geral, de mau gosto, abusando do apelo à violência física. A expressão clichê — me mata, me mata aponta, claramente, para essa correlação psíquica em mulheres que solicitam, em dados momentos de suas vidas, estimulação mais visceral. Seres como vampiros, que mordem, penetram com os dentes e chupam as vítimas, sugando-lhes o sangue, são intensamente eróticos. O mesmo se diga dos homens-lobo. Eles não têm medo do sangue de suas vítimas, assim como os cães, que procuram as fêmeas no cio e as lambem nas regiões genitais, demonstrando uma animalidade à flor da pele que os instintos da mulher carente de prazer podem ler como potência sexual transbordante.

Tudo se torna um apelo bem direto, quase um pedido, eventualmente inconsciente, de socorro, quando as pessoas que avaliamos comentam de modo sistemático que os ex-namorados eram todos gays, afeminados, insuficientes, um discurso que me tem chamado atenção, ultimamente, por razões de ordem privada. Isso, em lindas mulheres, pode soar como intimidação para quaisquer novos pretendentes, uma forma de se protegerem do assédio excessivo. Entanto, dependendo do contexto, também pode, realmente, ser uma advertência dirigida apenas aos que se candidatem sem possuir as condições cobiçadas para resolver o seu problema.

E essa delegação total do condão de fazê-las experimentar prazer aos homens, ou a algum homem em especial que devam encontrar, é o engano central que suscita o problema da frigidez.

Pessoas excepcionalmente belas, assim como pessoas excepcionalmente inteligentes, podem se sentir solitárias diante da eventual mediania daqueles que as circundem. Eis a raiz da questão. No fundo de si, sabem que deviam viver num outro plano de experiência, e isso acarreta transtornos que vão do tédio à dificuldade mórbida de conhecer prazer, acenando já para o surgimento de insaciabilidades comportamentais, ninfomania, apelo ao sexo grupal com operários em oficinas, um clichê, e outras conturbações reflexas.

Um comentário feminino muito interessante que li, recentemente, foi o seguinte: se beleza física fosse o mais importante para as mulheres, ao invés da inteligência, as revistas de homens nus não seriam procuradas apenas por homossexuais masculinos (sic). É notório que as mulheres são, em geral, muito estimuláveis sexualmente pela audição, enquanto que os homens dependem mais da visão para se excitarem. Essa particularidade geral feminina faz com que as mulheres peçam, constantemente, aos homens que digam o que estão pensando, inclusive, por vezes, antes e, sobretudo, depois do ato sexual. E tal petição provoca impaciência em alguns, mas a última coisa de que uma mulher com o problema ora em exame precisa é da impaciência masculina. Falar às mulheres é essencial; falar ao pé do ouvido, sim, sem dúvida, mas não só: falar através de um discurso de vida, de tudo aquilo que se fez, se faz e que está impregnado de significados. Isso é até muito mais importante que a atenção à linguagem corporal tão em voga nestes dias. As fêmeas selecionam os mais aptos a sobreviver e o ser humano sobrevive, precipuamente, da sua capacidade de se propor a si e resolver problemas. Como tu, leitor homem, tens te saído em resolver os teus problemas? Conta a uma mulher carente; conta com palavras, com linguagem corporal e com uma narrativa consistente de vida. Não sejas um fracassado, mas não faças o papel do vencedor que já obteve tudo o que desejava da vida: tenha ambições futuras e dê espaço a ela para lhe ajudar a completar lacunas, vazios..., ser um pouco Cinderela, se for o caso, e, muito freqüentemente, será.

As mulheres com problemas para experienciar prazer sexual devem, sem dúvida, aquiescer aos homens que tenham algo a lhes dizer; e os homens interessados em tais mulheres devem estar preparados a lhes falar de todas as formas. Falar, quem sabe, inclusive, na cama: obviedade que não pecaremos por deixar de enfatizar.

Por outro lado, não se subestime o valor da beleza e da juventude; um rapaz com um abdômen bem definido pode vir a resolver também as demandas da pessoa em questão, a nossa foca frígida ou mal "transada", se esta conseguir perceber que só ela mesma, através dos seus sentidos, tem como gerar o prazer de que tanto necessita. Um expediente prático, seguro e, novamente, até um tanto óbvio a recomendar, -- se não estivesse essa sorte de recomendações tão fora do nosso campo de escrutínios --, seria a auto-estimulação durante o ato a dois. Pouca coisa pode ser tão bela como uma mulher tocando a si mesma sexualmente, massageando os próprios seios, clitóris, vulva e mergulhando as mãos nos cabelos, alisando a própria pele, controlando também, de sua parte, o ritmo de uma relação. Ficando por cima, tocando a si mesma e avistando alguém que seja atraente aos seus olhos e com quem consiga se relacionar nesses termos sem inibição, a nossa paciente, enfim, já tende a obter a redenção que almeja e que busca só nos outros.

Igor Buys

22 de agosto de 2012

Trecho de documentário da National Geographic

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