DÉDALO
Eu sou um poeta labiríntico,
fruto de um eu labiríntico,
e vice-versa.
Sou um homem labiríntico
e ao fundo de todo dédalo se presume
uma fera mítica, um colosso;
nalgum canto uma pilha de ossos:
troféus canibalescos. Um predador.
Um motivo de medo se pressente;
um porvir de anulação, de morte
ao fundo de cada arcano,
de todo enigma deve haver.
Eu sou o Engenheiro inalcançável
do meu próprio mundo.
Sei o fio de Ariadna, de que contudo
me solto muito amiúde, e me perco,
e me redescubro selvageria
em meio à engenharia, razão e arte.
Meu verso é um portal aberto
para um sem-fim de portas e des-
caminhos. Trespassa-o de pés descalços,
adentra; busca o seu limite extremo,
perscruta o teu próprio limite.
Fá-lo e, quiçá, não haja volta,
não haja saída; mas fá-lo apenas.
Estamos na região do Ilimitado
do que não confina senão consigo
mesmo e outro. Pois o mesmo des-
vendado já é outro, e outro, e outro.
Mas, quando se olha para trás
-- qual Orfeu --, há tão-só o mesmo.
O passado, o posto. À frente, mais abismo,
e incerteza. Vôo cego, sonho.
O delírio de Ícaro, o pecado adâmico.
Igor Buys
Ilha Grande, 28 de março de 2020 / 31 de junho de 2020