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POT-POURRI DE ABRIL

Eu não sei olhar por muito tempo para essas praias, essas águas cristalinas, aqui e ali, quase paradas, como espelhos do céu, sem que, subitamente, elas comecem a ganhar as tuas formas. E a pouca marola que existe, sem espuma, faça balouçarem os teus cabelos de mel e nuvens. Não sei abraçar esse mar sem encontrar no fundo dele..., num fundo mais fundo e, ao mesmo tempo, menos resfolegante que aquele que os olhos enxergam facilmente..., as formas do teu corpo. O teu corpo. Está tão vivo no meu corpo, na paisagem que me abriga, me envolve e cede à minha penetração apaixonada. Como não amar tudo à minha volta, então?

Não se tem hotelaria de cinco estrelas na Ilha Grande.

Não se tem hotéis, tão-só pousadas aconchegantes

a que apenas se chega, por vezes, passando por trilhas mata adentro.

E algumas das trilhas que cortam a Ilha inteira são tão antigas que se supõe terem sido abertas pelos índios...

Tudo aqui respira o rústico, o idílico.

Para vir à Ilha com um pouco mais de sofisticação,

aos que não a dispensam, há os navios de cruzeiro.

Estes atracam na entrada da Enseada do Abraão,

um cruzeiro por dia em alguns períodos, a derramar sobre Ipaum Guaçu

gente de todas as línguas e culturas, franceses, alemãs, holandeses, japoneses,

argentinos, ianques.

Flutua..., flutua nos meus braços, movendo as mãos, os pés e me olhando com esse olhar que é mar, é mata e agora prediz o âmbar do cair do dia.

Envolve-me com as tuas coxas e abraço e flutuemos juntos para onde eu possa beber a tua boca de sal, o teu pescoço, o teu colo de luz dourada e manteiga. Os meus dedos a procurarem as tuas anêmonas, as conchas entreabertas da tua carne.

Bailarinos alados, vamos nos amar num céu de chamas, minha cabeça entre tuas coxas, tuas asas sinuosamente nos conduzindo para mais longe... Teus pés alvos pintados de dourado a roçar no meu rosto, nos meus lábios.

Vamos nos abraçar de novo como se abraçam já o dia e a noite e nos incendiar junto com eles, estremecer com a brisa negra ensagüentada. E, enfim, nos cobrir de estrelas, cavalos-marinhos e cometas.

No quarto da pousada, à luz de velas, ainda pareceremos tocados por um ser mítico cujos dedos volvem tudo a ouro.

Sob o chuveiro de água fria o sol estará se pondo uma segunda vez em nossa homenagem.

E toparemos com coisas de outros mundos, menos apressados, mais impregnados de arte, como lampiões a querosene e bacias de metal com água limpa e pétalas, toalhas perfumadas para secar o rosto, tudo disposto no entorno da cama de lençóis bruxuleantes como as vagas de há pouco.

Os apagões são como arco-íris neste local: uma dádiva de Deus.

É mister aproveitar este silêncio pleno para beijar mais profundo, mais profundo, buscando o ar de uma palavra nunca dita, cúmplice de um olhar que se omitiu. Deixar jorrar por dentro do teu peito o jato cálido de todo um poema dramático que trago guardado em qualquer parte do que a nossa vã ciência chama pulmões.

Outro drinque, por favor.

Dose dupla de vodca?

Sim, como sempre. Obrigado.

Aqui, um poeta com um afeto distante, alguém há muito esperada,

com ou sem esperança, decerto iria para à beira do cais, meditar...

E esse poeta, esse tal poeta, em aqui vivendo,

e se não furtando a esperar com ternura,

de ali estar por longas horas sob a luz dourada dos verões,

numa noite limpa de luar azulado, estou certo,

a teria visto: à sua Musa, caminhando sobre a madeira molhada do cais,

com saltos qual punhais brasinos, os pés

a pisarem para dentro, como os de um felino, os quadris

indo e vindo ao sabor desse jogo (hipnótico...). O poeta. É claro,

estancaria. E ela continuaria vindo, e vindo, o olhar forte,

já não mais uma miragem, senão: um Anjo! é concreto...

até atravessá-lo: suave labareda.

Igor Buys

Ilha Grande, 26 de abril de 2020

O AMARTE; PIÑA COLADA

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