AMOR TALHADO
Hoje eu vou estar no teu quarto.
Hoje eu vou invadir o teu sonho,
o teu corpo, o teu sangue e o meu
sêmen vai estar no teu suor e olhar.
Não fujas, não lutes
não estejas com o outro sob pena
de pensar em mim no último ins-
tante e transpirar a sílaba traidora.
Hoje vais estar pequena,
perdida na sala, no tempo, miúda,
menina e temerosa de cada sombra
oblíqua que as coisas projetam.
Hoje vais querer a mão
e o colo paternos mas sou eu,
enfim, o pai no cerne do pai
a quem procuras; sou eu, criança,
o que te inferna e reconforta.
A tua palma vai estar suada,
levemente, as tuas coxas bem
cruzadas, apertando as mãos unidas.
Temor e amor, calor
e frio já não se distinguem.
Eu sou a obsessão dissimulada
em hábito e simples curiosidade;
a lâmpada que vacila como vela,
a mentira que não precisa ser dita,
mas apenas calada, engolida em seco,
ou senão regada a vinho e riso frouxo.
Eu sou o mistério no fundo da chuva,
o vento de muito longe que te arrepia.
E o medo mais cruel que te visita
é o medo de não ter o que temer,
exceto desejar estar comigo tão de perto
como o ar que alimenta os teus pulmões.
Igor Buys
In 'Versos Íncubos', 2014