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O AMAR-TE

Eu não sei olhar por muito tempo para essas praias, essas águas cristalinas, aqui e ali, quase paradas, como espelhos do céu, sem que, subitamente, elas comecem a ganhar as tuas formas. E a pouca marola que existe, sem espuma, faça balouçarem os teus cabelos de mel e nuvens. Não sei abraçar esse mar sem encontrar no fundo dele..., num fundo mais fundo e, ao mesmo tempo, menos resfolegante que aquele que os olhos enxergam facilmente..., as formas do teu corpo. O teu corpo. Está tão vivo no meu corpo, na paisagem que me abriga, me envolve e cede à minha penetração apaixonada. Como não amar tudo à minha volta, então?

Quantas vezes brinquei com essa idéia de derramar a água dos meus haustos sobre as tuas pálpebras, na tua boca, na curva angelical do teu sorriso para daí removê-la com a língua.

Tentei dizer tantas palavras a outras pessoas que já nasceram em mim com o eco da tua voz a as traduzir. Tentei amar corpos metamorfos que eram teus e eram outros, eram felicidade e eram susto, ora sonho e magia, ora apenas mentira.

Flutua..., flutua nos meus braços, movendo as mãos, os pés e me olhando com esse olhar que é mar, é mata e agora prediz o âmbar do cair do dia.

Envolve-me com as tuas coxas e abraço e flutuemos juntos para onde eu possa beber a tua boca de sal, o teu pescoço, o teu colo de luz dourada e manteiga. Os meus dedos a procurarem as tuas anêmonas, as conchas entreabertas da tua carne.

Bailarinos alados, vamos nos amar num céu de chamas, minha cabeça entre tuas coxas, tuas asas sinuosamente nos conduzindo para mais longe... Teus pés alvos pintados de dourado a roçar no meu rosto, nos meus lábios.

Vamos nos abraçar de novo como se abraçam já o dia e a noite e nos incendiar junto com eles, estremecer com a brisa negra ensagüentada. E, enfim, nos cobrir de estrelas, cavalos-marinhos e cometas.

* * *

No quarto da pousada, à luz de velas, ainda pareceremos tocados por um ser mítico cujos dedos volvem tudo a ouro.

Sob o chuveiro de água fria o sol estará se pondo uma segunda vez em nossa homenagem.

E toparemos com coisas de outros mundos, menos apressados, mais impregnados de arte, como lampiões a querosene e bacias de metal com água limpa e pétalas, toalhas perfumadas para secar o rosto, tudo disposto no entorno da cama de lençóis bruxuleantes como as vagas de há pouco.

Os apagões são como arco-íris neste local: uma dádiva de Deus.

É mister aproveitar este silêncio pleno para beijar mais profundo, mais profundo, buscando o ar de uma palavra nunca dita, cúmplice de um olhar que se omitiu. Deixar jorrar por dentro do teu peito o jato cálido de todo um poema dramático que trago guardado em qualquer parte do que a nossa vã ciência chama pulmões.

Com a língua arqueológica, pesquisar, dobrinha por dobrinha, a escrita cuneiforme dos teus lábios rosados.

Pousar a testa na tua testa, pulsar no fundo da tua alma. Morder teu lóbulo, teu pescoço. Depositar tua mão, teus dedinhos em V sobre a tua vulva, a volta do meu órgão. E ficar olhando..., olhando a junção dos nossos corpos, com as têmporas apoiadas uma n'outra. Põe um dedinho teu dentro da flor da tua carne, roçando no meu falo ao sabor do nosso jogo.

Eu sou tão teu que mesmo o meu silêncio sabe gritar teu nome e a minha palavra, quando o sabe esconder tem vergonha de ser subscrita com o nome de meu avô.

Eu sou tão teu que o ser de mim mesmo se tornou um híbrido, quase uma quimera andante, em que mal me reconheço ao espelho. A tua ausência é noite e eu vivo mergulhado em trevas. O meu mar, comecei dizendo, é a pré-escultura do teu corpo, do teu amar; e é só nele que encontro refletido algum céu e esperança.

Guarda no fundo de ti a minha chama, o meu amor, o melhor do que sou desfeito em seiva e deixa que rebrilhe uma única vez no teu olhar de sol-pôr...

Igor Buys

Ilha Grande, 12 de abril de 2019

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