METAMORFOSE
Um dia ela acordou mais lenta e lânguida, coa saliva mais ácida do que sabia ter. Ai, opressão mortal...! Misto de tédio e malquerença, depressão e desprezo por tudo e por todos! Ódio e asco erga omnes. Entanto aquilo logo passaria. Era só escovar os cabelos,
contemplar-se ao espelho.
Foi fazê-lo.
Mas, então, notou:
seus cabelos caíam...
seus grandes seios de silicone:
já os não tinha!...
Não! Era ilusão ou era bode!
Cala a boca, espelho maldito!
E voltou para a cama,
contorceu-se toda, estor-
cendo tripas e ossos,
pêlos descolorados, platinados,
tez esverdeada.
Jogou-se ao chão;
rastejou até o computador.
Foi humilhar alguém no Face-
baaaak! lançar uivos e cuspos,
e vestir a máscara do Anonymous
sem atinar o que significava.
Era bela apenas, qual os filmes de horror;
era bela porque sinistra, boa pra intimidar,
pra assustar a criança e o idoso.
Logo estaria bem.
Faltava ouvir a música metálica
explosiva
que fala em demônios e drogas,
que urra a podridão e a morte,
e soa como o vômito dum cão,
como o vômito dum cão,
dum milhão de cães, raivosos e ianques.
Ah! logo estaria bem, logo estaria...
Bem.
Abraçava-se e se encolhia,
sentindo a pele escamosa (mas não olhava).
E, súbito, farejou na sala,
depois do corredor,
um roedor saltitante...
Esgueirou-se sobre o assoalho,
sem emitir ruído, fluidamente,
e se acercou do rato... Estancou.
Deu o bote — certeiro!
E se enovelou sobre si mesma,
a língua chicoteando o ar,
cuspindo ideogramas,
os olhos de vidro incandescente...
Y
Y
Y
E quedou ali, a digerir sua presa.
Igor Buys
In Versos Íncubos; ed. Scortecci, 2014