MATA-ME
A você que chamei -- meu Poema
Mata-me.
Sente lamber teus pés o sangue
meu a esvair-se, inda quente e faminto,
poça que se alastra rubra, rápida,
em derradeira, peristáltica carícia.
Mata-me.
A arma fria entre tuas mãos de gelo
— a arma —;
teus lacustres olhos de verde-água,
por vezes, quase brancos..., infensos
a qualquer possibilidade de tresladar ódio ou insídia
— teus olhos —;
teus lábios que estampam sempre um porvir
de sorriso, ora arlequino. Mata-me,
assassinando em ti mesma
o que quer que eu represente:
só se assassinam símbolos,
significados, nunca homens:
os corpos destes, se estão no caminho
dos projéteis brasinos, isso é sempre
meramente acidental. Então, mata-me.
Mata-me.
Fá-lo e vê apagarem-se-me os olhos,
o sorriso: fá-los para sempre lapidificados
no âmago da sombra azulada, para sempre
escarificados no revés das tuas pálpebras,
onde reverberará perpétuo o estampido
que cala tudo desde os sons até o silêncio.
Mata-me!
Mata-me hoje, agora!
E mata-me de novo, e de novo, a cada crepúsculo.
Rasga, rebenta o meu coração no teu próprio peito
e completada a sangria faz das vísceras cruas,
faz das carnes tuas um novo eu em ti,
renovado a pulsar
e pulsar no mais íntimo da alma.
Mata-me.
Igor Buys
Ilha Grande, 26-10-2017/03-11-2019
O Último Tango..., cena final