CONTEMPLAÇÃO DO RÉVEILLON
Silva e sobe, aceso, sinuoso -- um sonho
que explodiu! como cristal..., em flor.
Sopra, zune e vai zumbindo até atrás,
bem atrás da mão cubista do coqueiro que a ten-
tava colher -- uma esperança: esmeralda louca,
ébria e em derretimento: rubro, brasino, azul.
A celebração ainda assim é bela.
Primavera fugaz. Triste e doridamente bela.
O copo sabe repetir tantas coisas tristes.
Mundo in vitro.
Bolhas luminosas a subirem serpenteando,
clarões de âmbar, de rubro azul esmeraldino.
Estrelas não tilintam. Tão-só tiritam no breu. E calam.
Uma amizade perdida deixa no ar o seu cheiro gris.
Os nossos mortos nos sorriem desde o amanhã.
E lhes sorrimos de volta, cordialmente.
As vestes brancas, noivas, querem esposar-se;
querem dividir o abraço, o beijo primeiro, a fé sem deus
num dia melhor: acreditemos juntos! a sorrir! Eu finjo
que acredito que acreditas no fingimento meu e geral:
a crença está morta, mas ainda a sabemos comungar.
O amuleto está enroscado em cada pulso: creia que alguém crê!
Eis o vero amuleto: o pacto: o medo do caos e do trá-
gico ensurdecido pelos estampidos, embriagado,
amarrado e algemado na cozinha. Tratrabum!…
(Ninguém sabe que está lá, nem viu quem o atou).
É preciso sorrir e pular, erguer as mãos, as taças!
Sim, é de mister agradecer: vai que ao mal-agradecido
sobre mais do Alfange e do Flagelo! O medo está feliz!
A despeito das insepultas perdas, de todas as surras
incuráveis, deformantes, está feliz e implora... Perdão! Dão... Dão.
O medo veste sandálias prateadas, suadas, pisa
serpentinas. Não elide a beleza. Sorriso, lábios de manteiga.
O medo agrega, socializa. Teríamos evoluído em humanos sem isso?
É de mister adular o mistério e seu possível mentor.
É noite de suplicar, transpirar dourados, azuis e beijar:
beijar a Chibata do destino; beijar a boca desconhecida, beber,
beber o suor dum pescoço, dum colo de champanhe e purpurinas…
(Você é você ou é ela?)
(E eu? Sou eu-mesmo, eu-velho ou eu-novo, eu-outro?...)
Malhar o velho como um Judas, exaltar o novo e sua promessa.
Vida e morte: duas serpentes que se devoram pelas caudas.
Conquanto possa não ter sido dos piores o ano que finda,
todo corte de tempo, quando se olha para trás,
exibe a tez rajada dos Ofídios: é tanto morte como vida.
No ar ainda aquele olor gris de algo que não é o tempo incinerado.
É quiçá apenas a fogueira vã do passado que nada, absoluta-
mente nada pode fazer passar. Firmamento. Tratrabum. Bum... Bum.
Igor Buys
Ilha Grande, 13/12/2018
Rafa Kalimann
