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VIAGEM CURTA AO RIO

Estou embarcando para o Rio, a minha Cidade Maravilhosa, às dez horas. Vou ficar hospedado num hotel na Avenida Atlântica, num quarto com vista para o mar.

Quando regressar, faço aqui mesmo, neste postal já aberto, algum registro da viagem.

 

1 - Infelizmente, não vou poder fazer o registro que desejaria dessa breve viagem. E por um motivo tão simples quanto inusitado: esqueci o celular. Levei o carregador, o pau de selfie, escova de dentes, barbeador, mas esqueci aquilo que ninguém, nem eu próprio, que estou no Guinness por esquecimentos congêneres, jamais esqueci. Pois é: o celular.

Ato falho? me perguntei mais tarde. Será que desejava, a partir do meu inconsciente profundo e sábio -- a partir do corpo profundo, poderia dizer, se desejasse lançar mão de um conceito meu autônomo e sério, ao invés de fazer troça da situação --, passar alguns dias desligado da tomada que dá vida ao meu computador de trabalho e mesmo da conexão sem fio do meu dispositivo móvel?

2 - Estava ainda no Cais de Turismo, aqui, no Abraão, quando dei pela falta do celular. A bagagem pesava na minha mão, doíam-me os dedos e o braço tremia -- não me adaptei ainda às novas malas de viagem com rodinhas: são esteticamente ridículas o quanto possível e nestes terrenos rústicos da Ilha Grande, areia batida ou paralelepípedos muito irregulares, deixo para trás amiúde os seus usuários. O sol estava pleno na hora do embarque, que sempre atrasa um pouco. Pensei em correr, tentar pegar o celular em casa e acatar o risco de perder o barco. Pensei em desistir da viagem naquela data, abrir mão do pequeno investimento feito até então. Se tivesse me decidido por essa opção, não me ocorreu na hora, teria perdido o horário da consulta médica que era a causa da minha viagem, ora...

Não, eu iria dar um jeito, quando chegasse ao Rio e ao hotel. Compraria um celular baratinho ou alugaria uma câmera, quiçá, uma GoPro. Ou, senão, pediria ajuda na recepção: algum funcionário haveria de me emprestar ou alugar o celular: ofereceria cinqüenta reais a hora e a possibilidade de me agradar, -- a mim um bom cliente, que gasta bem. E que, por qualquer motivo, sempre acha que as pessoas estão firmemente empenhadas em agradá-lo. O que geralmente se confirma, e desde muito, muito tempo. As razões psicológicas disso são um caso a escrutinar. Tanto as razões alheias como as minhas. Sobre estas, as minhas razões, está claro de saída que um fator importante é o hábito: geralmente é assim. Sobre aquelas, as razões alheias, também se pode pensar de plano que a minha atitude em relação ao referido hábito influencie pessoas ou, quando menos, colabore no processo em questão. Mas o que veio antes: o ovo ou a galinha?

3 - A primeira tentativa que fiz, das hipóteses que elencara já no Cais do Turismo, foi a de contar com o pessoal da recepção. Insisti bastante. Ofereci a paga já prevista, numa das diversas ligações para a portaria.

Finalmente, um mensageiro chamado Guaraci bateu à porta trazendo o celular de um tal Renato da recepção. Mas do que solícito, Guaraci foi cúmplice da minha ansiedade e acabou se imbuindo de diretor de cinema; filmou o quarto, a vista, este humilde hóspede e tudo o mais que lhe ocorreu, de todos os ângulos possíveis e em todas as situações que desejou me sugerir. Fui um ator diligente.

O Renato, dono do celular, em seguida, iria me enviar os vídeos por e-mail. Era um registro mínimo. O crepúsculo vespertino se aproximava e uma faixa alaranjada, quase incandescente tomava já toda a linha do horizonte por sobre o mar. A praia, entrementes, ainda estava cheia.

Ainda tentaria alugar uma câmera para filmar a aurora do quarto e da praia, a gente que se refestela sobre a areia, os arredores, sobretudo, na noite clara sob os postes de iluminação do calçadão.

4 - Queria também mostrar o interior do hotel, que, de Olinda Othon passou a se chamar Olinda Rio. Trata-se de um prédio construído para absorver a grande demanda turística esperada para a Copa de 1950. Ficou pronto 1949, com pés direitos altos, muitas sancas bastante ornamentadas, lustres e luminárias antigos e hoje, certamente, valiosos. As mesas de café e refeições, em três ambientes e tipos diversos, são também da época da fundação ou pouco menos modernas e preenchem um grande espaço, desde a área onde é servido o desjejum matinal até junto às paredes de vidro que dão para a praia. O bar é realmente uma beleza. Pelo menos, no que tange à arquitetura.

O antigo cardápio de bebidas foi substituído por versão bastante sintética que oferece muito poucas opções, sobretudo de drinks. E eu, que não tomo um Manhattan desde quando estive, há exatamente um mês atrás, no interior de São Paulo, continuei na vontade.

Tive que aderir à Caipirinha na hora de vir embora, um dos poucos drinks servidos, senão o único, sem mencionar as variações, Caipivodca e etc..

O hotel mantém as quatro estrelas de sempre, mas não parece ser mais o mesmo depois, talvez, do desligamento da rede Othon.

Os elevadores não são antigos, senão velhos. Embora haja uma escada em espiral para a qual não atentei muito, mas tem degraus de pedra, provavelmente mármore.

5 - O quarto tinha algum cheiro de mofo logo que adentrei. E, ao invés de uma cama de casal, tropecei em duas camas de solteiro ladeadas daquelas que são consideradas meias camas de casal. Reclamei do equívoco e prometeram trocar as camas, mas, ao que parece, o assunto caiu no esquecimento. Era uma suíte ampla: poltrona, escrivaninha de duas cadeiras, arca, pequena namoradeira, armário espaçoso.

6 - A comida nada tinha de especial e trazia como única surpresa o fato de ser bem menos cara do que na Ilha. Assim, fiz todas as refeições no hotel. Filé mignon com arroz à piamontese, molho madeira e legumes ao vapor; filé mignon com outra guarnição qualquer; salmão com molho de alcaparra, arroz com brócolis, os mesmos legumes; picanha dentro dos mesmos conseguintes que os bifes. Bebi doses de uísque e Martini Rosso com gelo picado, como ensinei o barman que se o deve servir. Este não dispunha de cerejas para o Martini Bianco nem de azeitonas para o Dry Martini, embora houvesse Gin nas prateleiras.

7 - Tomei cinco táxis no Rio, inclusive para ir à consulta com meu médico na Tijuca. Fui paciente do pai dele e existe uma grande confiança e empatia em jogo nessa relação.

O último táxi que tomei foi o que me trouxe até Conceição, junto ao cais de madeira onde aguardei pelo flex das dezoito horas -- que normalmente, encosta no píer às dezessete e trinta, mas não nesta terça, quinze de outubro.

Chegando a casa, mal larguei as bagagens já estava ligado à tomada de novo e conectado à Rede: precisava falar com a minha prima urgentemente; explicar que tinha deixado o celular em casa, matar a saudade das suas correspondências e do seu sorriso. Mas, uma vez plugado, senti logo uma queimação terrível no estômago: o tal Renato da recepção não tinha enviado os vídeos que o Guaraci fez com tanto esmero, ficaram tão bons e ele, Renato, se comprometera a encaminhar. Ora, por quê?

Minha prima e eu nos desencontramos na nossa Cidade. Afinal, ela tinha demonstrado pouco ou nenhum interesse pela minha ida ao Rio e pelo local que havia escolhido para ficar: estava bastante ocupada com algo importante para ela. E, sem o celular, eu me vi às cegas para saber se, já depois de me despedir e partir, ela teria dispensado algum tempo livre para mim. Não acreditava. Parti com a impressão de que a prima nem estaria no Rio. Mas nunca nos faltarão oportunidades de estar juntos e matar as saudades.

Ninguém a quem consultei sabia onde alugar uma câmera, fosse GoPro ou de qualquer outra espécie. Assim, os vídeos do Guaraci seriam os únicos registros da viagem e da estadia no hotel, que, imediatamente, recebeu no Booking as mais duras críticas de que sou capaz, as mais baixas notas e a minha contra-recomendação veemente, baseada, inclusive, em fato grave que nem vale mencionar.

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