SEMÍNIMA
O que fica na cinza das palavras
na sangria dos minutos que gotejam,
o que fica dos teus olhos, teu sorriso,
na derrota da memória para o azul,
na falência dos cristais perante o opaco,
o que fica é voz, silêncio, semínima.
O que jaz das tuas mãos é nata, deleite;
o que alcanço dos teus seios, anseios.
Estás tênue quando te penso; imena,
quando percebo a tua intensa ausência.
Tudo em está em ti, estás em cada cousa:
cada pássaro que de mim adeja e repousa,
cada galho e folha, um menino, sua pipa,
o grão do chão entre meus dedos, o mel
da tarde a encharcar o anil que desfalece.
Dois namorados de mãos dadas não sabem
que em nós é que passeiam ali sem pressa.
A gaivota não sabe; o outono esquece, o dia
anoitece sem perceber que desmaiamos nós
e nos tornamos vítreos. Lua e esquecimento
abraçam-se. Brumas suspiram, se beijam.
Acendo um cigarro. A fumaça lilás dilua
um sopro prateado, líquido. O que fica, enfim,
de nos amarmos inunda o mundo inteiro.
Tudo está cálido, apaixonado, e espera-nos
na frágua dos instantes estalando gravetos.
Igor Buys
29 de março de 2009
In Versos Íncubos, 2014
Cinthia Moura