A PUREZA [2a. versão]
E, subitamente, enquanto eu atravessava o Vale das Sombras da Morte,
a Pureza não se escandalizou de cruzar o meu caminho.
E até me sorriu.
Subitamente, tão subitamente,
tudo aquilo que era pavor e escuridão, algo como petróleo a petrificar as asas das aves marinhas, a asfixiar dentro do mar as tartarugas da Enseada do Abraão, a obscurecer -- por dentro... -- minha visão da paisagem em torno e tornar de todo impossível o ato outrora simplesmente orgânico de escrever poesias; tudo aquilo… Emudeceu.
A Pureza.
Debaixo de mim, permanecia rasgado, faminto: o Abisso.
Mas eu não tive mais receio de resvalar e me desfazer nas suas entranhas.
A Pureza.
Não ousei sonhar tocá-la, à Pureza.
Só amei o saber que estava ali…, tão próxima -- amei com todo o meu coração. Como se me dissera que a liberdade jaz a um passo, basta crer e querer.
A Pureza.
Dos meus olhos jorraram água, -- estranha água que me lavava as mãos e não pudera ser de mim…
A Pureza.
Quando dei por mim, havia flores nessas minhas mesmas mãos desde há muito estéreis: rosas brancas, dissera…, sem plena certeza.
Quis depositá-las, então, aos seus pés. Mas a Pureza me as recolheu de entre os dedos...
E me sorriu.
A Pureza.
A noite se fez dia; o Vale à minha volta, subitamente, era frondoso. Dos galhos entrelaçados, noivos se desvencilhavam pássaros e seus cantos harpeados.
Levantei...
E caminhei.
Igor Buys
28 de fevereiro de 2019
Reprodução: Rothko; preto e branco sobre rosa
