ANIL (EFEITO BORBOLETA)
Havia uma multidão. Eram milhares
e milhares, eram milhões e milhões.
E do meu remanso, te lancei um beijo.
Um beijo
apenas
entre flores que se cruzavam no ar
intumescido de gritos, névoas, luzes, flashes;
um beijo
um simples beijo e seu poder de vôo
entre milhões e milhões de beijos outros,
inextricável multidão, confusão incontável.
Qual a probabilidade matemática, astrológica
físico-química, esotérica? Qual a chance real?
E, desde aquele instante, ora, quantos dias,
quantas noites, quantas horas se passaram
sem que o teu pensamento me viesse procurar
a mim nas distâncias, para além das multidões,
dos arranha-céus a espelharem oceanos de incêndio?
Há um Deus em qualquer parte, um destino traçado;
há um mistério no fundo das noites solitárias?
Um quê de magia, quiçá, no poder de atração
que sabem os corpos uns sobre os outros, a provocarem cur-
vas no tempo? Força G? Ponto G? Efeito borboleta.
Ou terá sido tudo isso mero; essas horas, esses vitrais
através dos quais mergulhamos, de mãos estendidas...?
O tempo que goteja dos relógios a rasgar os nossos
pulsos; a gota de hormônio que grita em nossas veias,
desabrocha em nossas peles; o fel, o mel dos sonhos
e ciúmes; teremos apenas perdido tais derramamentos?
Ou há algo que nos espera e justificará todo o dilema?
Eu te confesso que não sei. Nem há nada que se esforce
em mim por sabê-lo. Apenas sinto, -- ou pressinto...
a tua boca sob os meus dedos, o teu pescoço a contrapelar
a minha meia-barba, teus braços me envolvendo
o trapézio, tua perna enroscada, teu pé a pisar-me a panturrilha.
É como se o tempo se contasse de trás para frente:
sim! mais fumo de lembrança que cristal de futuridade… É isso!
Mas não sei. Não faço questão de entender. Dou-me ao vento.
Ao horizonte de anil. E silencio.
Igor Buys
21 de maio de 2018 / 05 de outubro 2019
Alessandra Ambrosio
