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TECIDO DA SOMBRA

O tecido da sombra é tal que, por vezes, nele se imiscuem o sonho, o mito, o inapelável grito do inferno, talvez até o medo

(esse que, por limitação, hoje, mal reconheço).

Eis quando tudo o que parecera esplendor volve a palor de estrelas ermas e mortas há séculos; tudo o que parecera certeza agora é caos... E em meio à neblina, uma face me surge: quiçá a mãe ao avesso, escanifrada, com sua foice... — amiga?

Quiçá a Deusa mendiga, com sua fronte interrogativa — aquela que cata diamantes pelo chão das ruas —,

buscando o que reste de fé nos olhos

para entretecer uma alvorada improvável, impossível.

O tecido da sombra é tal que nele se estampam

dragões, não-pavões, tigres de sem dourado; e em meio a tudo que cala indeciso, alguma coisa é eco ou quase-palavra: pio pássaro de fuga...

Uivo de matilha feral, uníssona ao longe.

O tecido da sombra.

O tecido da sombra quando me veste inteiro

me desvenda tão nu a conjurar silêncios...

Ai, ausência dum sino, metástase da noite a reclamar minha’alma.

O tecido da sombra.

Igor Buys

31 de março de 2011

Mark Rothko; reprodução

Mark Rothko

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