EMPATIA DE TERCEIRO GRAU, COMUNICAÇÃO OU COMUNHÃO
A identidade é como a agulha de uma bússola.
É um signo de natureza indicial que aponta para duas direções opostas, ou para uma direção e dois sentidos opostos, a quem prefira.
O sul de tal bússola é o AQUI, o tópos do Eu profundo, absoluto. O norte, é, em princípio, o AÍ, o campo das aparências, da existência, das mutações.
Entanto, tal oposição diádica, AQUI—AÍ, é precária, caótica
O recém-nado a utiliza para começar a constituir seu mundo. A criança percebe sinais das coisas do entorno, é afetada por tais sinais (apercepção), e, então, entende: a bola dependurada por um fio acima do berço é — outra em relação a ela própria, a criança.
I.e., o recém-nado constitui as coisas do entorno com grandeza no espaço e no tempo, opondo-as a um eu-aqui primevo, incipiente.
Disso resulta uma alteridade precária bem descrita por Piaget.
A criança supõe, e.g., diz Piaget, que o cão do vizinho esteja a ladrar porque sua mãe saiu de casa e ela, a criança, se sente contristada.
Esse mundo dual, assentado sobre os dois tópoi mencionados, AQUI—AÍ, os quais se separam e reúnem, se reúnem e separam, incessantemente, perante à necessária unidade dos opostos explicada pela lógica; esse mundo dual e pré-cósmico, pré-lingüístico é, outrossim, pré-objetivo, pré-subjetivo.
O protobjeto, bem como a proto-subjetividade eclodem quando a criança, mediante o transporte empático da sua identidade, assume a posição histórica do falante e experimenta — o thauma de conhecer mediante comunicação, ou comunhão.
Rompendo a inescrutabilidade e relatividade da referência, a criança compreende como o falante relaciona as coisas em si e suas representações verbal e mental e, a partir daí, desvenda o Outro – em si mesmo.
I.e., vem a conhecer o Outro como algo, ou alguém sito PARA ALÉM de AÍ.
Tal epifania corresponde à descoberta do — transcendente externo, em oposição ao qual o transcendente interno, por seu turno, se define.
Temos, agora, três tópoi por onde se desenrola o drama de ser: o AQUI, lugar do Eu profundo; o AÍ, espaço-tempo onde se encontram as coisas mundanas, mutáveis, os fenômenos, os fantasmas sensíveis ou aparências; e o PARA ALÉM (de AÍ), onde reside o Outro.
Quando a identidade se posiciona no tópos do Outro, esse signo de natureza indicial, essa bússola mergulha em estado extático: uma manía (μανία), quiçá: ela passa a apontar para o sul em ambas as extremidades opostas a partir de seu eixo...
E eis o que é comunicar, ou comungar: verbos derivados, ambos, diretamente, de — communicare e que compartem a mesma família de palavras ancestrais latinas: communicatio, communis.
A comunicação, ou comunhão, ou, ainda, empatia de terceiro grau se dá quando a identidade, esse índice, esse signo que se move no espaço e no tempo, aponta para o Eu profundo, simultaneamente, AQUI e PARA ALÉM de AÍ.
Nesse relance de visão, esse vislumbre thaumático, o Eu profundo do Outro, o falante, e o do ouvinte, a criança, se fundem, se confundem.
Isto é apenas semiologia, ou metafísica. Nada tem a ver com misticismo, até aonde a nós nos cumpre escrutiná-lo.
Porém, é fato que em tal momento o mundo, pouco a pouco, vai deixando de ser pré-objetivo e caótico para se tornar objetivo-subjetivo e cósmico
O cão do vizinho, em breve, não falará mais pela criança, que já adquiriu a dimensão comunicacional, objetiva-subjetiva, e, de pré ou proto-humana, adquiriu já o cariz da plena humanidade
Igor Buys
Ilha Grande, 07 de janeiro de 2018
Piaget; foto da Rede
