URUBUS
Manhã de chuva.
Mar prateado, barcos prateados de contornos incertos
O mau tempo cala as saracuras
e a vazante dos canais de mangue traz à cena os urubus
São dezenas de urubus,
na praia, na rua que leva o nome desta propriedade e a ladeia,
urubus estatelados sobre a trave do futebol na areia,
urubus pousados, parados sobre uma canoa, um muro
Não sei o que fazem. Não comem, mal se movem
Chegam a parecer reflexivos,
mas não capazes de reflexão própria, senão alheia...
algo que está neles os intumescendo,
usando suas figuras fúnebres, suas tintas,
seu preto sobre o azul claro desmaiado
nessa paisagem impressionista
como a lembrança de um velório
Os urubus são tristes.
A manhã alta já não vislumbra sombra deles,
resíduos da noite
A chuva se move como as cordas de uma harpa
entanto soa como xilofone, chocalho, percussão incauta
A saracura já se ouve ao longe
Mas a saracura na manhã alta ou na tarde de sol tímido
nada tem a ver com a saracura que sub-roga o galo às quatro da manhã
É uma outra coisa, quase outro bicho,
tem outra metafísica
Chuva
xilofone
saracura, saracura
Igor Buys
Ilha Grande, 22/11/2017