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HÁ DIAS EM QUE É MELHOR NÃO ESCREVER POESIAS

Há dias em que é melhor não escrever poesias. Convém deixar calada a torneira rubra que a branca é mais fácil de desvirar... E não queima nem turva a janela, o espelho, as formas vítreas da imaginação. Há dias em que é melhor não escrever poesias. A toalha molhada de beber meus silêncios dependura-se. Os ladrilhos: quadrados. Tapete de pétalas plásticas. O chão encerado refulge. Sala vazia de algo que entanto inexoravelmente a preenche. A janela interrompe o vento, estrangula a paisagem que ainda assim adentra impunemente o recinto onde não estou mas insisto na condição de hipótese semi- nua de um homem e sua toalha cor de telha. Frio... Arrepio em pleno verão escaldante de cores estranhas, quase hostis. Cores como gargalhadas excessivas que se rasgam no ambiente austero, reflexivo. Triste, talvez. E esse talvez é o que há de mais terrificante. Calma. Coma. Impassibilidade veterana de tantas batalhas semi- vencidas, talvez. Ou ao contrário. Não dá no mesmo?... É... Há dias em que é melhor não escrever poesias. Alguém está morto no assoalho. Mas ninguém está morto no assoalho, embora urgisse algum cadáver. E isso, essa limpeza e conveniência é o que há de mais terrificante. Coruja de cobre. O duro olhar desse bicho. Máscara indonésia na face da parede; o grampo da rede, anormalmente metálico. Luz que estala e quase dói em cada superfície polida, ensangüentada de sem sangue ou cheiro, ou grito, ou corte. A falta de um gato, de um rato ou cão. E isso tem quatro patas e ruge, ou quase. Depois, se esconde: e fita... Há dias em que é fundamental não escrever poesias. Igor Buys In Versos Íncubos; ed. Scortecci, 2014

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