A HORA DO BODE (OU BAPHOMET)
Ah, que o bode velho adentrou pela casa, marcando o assoalho com seus jamegões. Porta aberta: inclusão digital. Foi por instinto para a copa-cozinha. E esta era quase uma farmácia.
Bode preto, bode velho,
matuto e agreste, até se dá ares de bom,
conquanto coberto de suor seboso, espesso,
conquanto em terno incongruente
com o mais pungente,
metafísico mau cheiro.
Mas há uma mosca, ou duas,
que discordam: cofiam por ele a barba rude.
E lá vai o bode velho pela copa adentro,
à solta na farmácia doméstica.
Começa o seu mister por uma caixa
de Losartana, de Captopril, Roxflan.
Queixo que vai, queixo que vem,
jogando ao sabor da mais ingênua
e crassa ruminação das alquimias.
Passa agora ao Viagra: feitiço azul!
Envereda pelo Rivotril: controle,
— mas sem moderação! (Lógica de bode).
E queixo que vai, e queixo que vem,
sente-se já mais astuto até que o asno,
seu frater inseparável lá no quintal,
cujo QI ultrapassa o seu em trilhões.
Sim, sente-se o bode mais jovem e bom:
aristobódico! losartânico! viagresco:
quase uma reedição de — Fauno!
Passa, enfim, à cocaína, antiga fórmula
entre as fórmulas batidas, azedadas
que sabe ruminar, queixo pra cá,
queixo pra lá, no seu vetusto mister
de bode. Hum, farmácia doméstica,
entanto bandida a esconder pós
sem após... Os olhos esbugalhados
transbugalham-se, pois, e, ao depois,
o bicho bode volve a — Baphomet.
Ultrapassa já um rio negro, céu rubro,
árvores que sangram entre verde pus.
E, ao fim e ao cabo, teso: encontra-O...
Lá está Ele, cartola imponente, fraque
listrado de azul e vermelho sanguíneo.
E eis que, prostrado, clama: Aba Bode!
Igor Buys
In Versos Íncubos, 2014
Cena do filme "O Labirinto do Fauno"
