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Protógonos

III - Cosmogonia



Mais incisivo e confiante, ergui os braços esticados
Na direção do Abismo de asfixia que se estendia
Sobre mim e sobre a Terra e nominei-o: Urano, Céu!...
Pai: desperta do Caos e sê em si mesmo!
E o Céu, então, me respondeu tonitruante,
Das entranhas da escuridão: Filho.

Já nem tão só e indefinido, sentei-me,

Novamente, sobre a Terra em posição de lótus.
Nessa posição me pus e nela permaneci
Por um lapso da infinitude sem cortes, sem antes
Ou depois: ainda não se organizara a sucessão.

Pus as mãos sem calor sobre o rosto sem pele certa
E, contristado, infeliz,

A despeito de ter já Pai e Mãe,

Chorei.
Chorei e as minhas
Lágrimas se quebraram como pequenos cristais
Sobre a crosta agora firme da Mãe Gaia,
Produzindo um som...
Maravilhado, exclamei
Com a voz do pensamento: — Música!
E a Música me brindou com o som de liras
Invisíveis e paixões de forma pura: intraduzíveis!...
Sorri, e ri; ri solitário e nu; depois, voltei a chorar.
Chorei e — solucei...
E soluçando, convulsivo e imenso
Na imensidão do vazio, de repente..., ora,
De repente, ouvi meu pranto: eu tinha — voz!

Meu coração disparou, marcando um compasso
A que chamei Cronos, o Tempo.
Levantei-me, então, e abrindo os braços,

As pernas e os pulmões — bradei dentro do Caos: Fiat Lux!
E, nesse exato instante, um clarão desprendeu-se do Nada Negro
E uma bola de fogo escorreu e rolou pelo Céu, colorindo o tempo, o espaço
E constituindo o mundo e os homens; as Horas, as Eras, As Idades; tudo estava ali, a minha frente! Mares de ocaso
Que se quebravam contra os rochedos e as praias como leões em luta a bramar, fulvos e rubros! ensanguentados e prateados!... negros e dourados...; roxos e azuis;
Ventos a farfalhavam flâmeos verdes por entre as folhas, as flores, as florestas!
Ah, que o sublime Sol, matriz da vida, dependurou-se no seu posto móvel, com o seu carro e seus corcéis puxados por

[Apolo, o sábio, o oblíquo,
E todas as tribos e cidades que já houve, com seus deuses, suas lendas, seus impérios e epopéias
Desabrocharam dentro do que, antes..., era o Caos!... Era o vazio!... (O negro, o nada, o nunca...).

A minha alegria não cabia em mim e, apaixonado, exultante, inebriado,
Caminhei pelos campos e avenidas da História; os meus passos moviam-me no tempo e no espaço sem limitações;

Estive no desfiladeiro das Termópilas, entre os trezentos de Esparta, e lutei até o fim ao lado do
[Rei Leônidas contra tantos persas, que, se cruzassem suas espadas, encobririam a luz do sol. Às margens do rio Little

[Bighorn, cavalguei com Cavalo Louco, o guerreiro ideólogo e grande mágico, batendo-me contra os soldados do General

[Cabelos Cumpridos Custer, até dizimar seu regimento, pela honra e sobrevivência da nação Oglala e de todo o povo

[Lakota. Empunhei novamente a espada por Joana Do Arco, a Virgem de Lorena, sob a flama francesa, contra o

[maldito imperialismo britânico.

Eu caminhava sobre as águas; sobre as brancas neve e as areias escaldantes dos desertos;
Saltava montanhas, vales, oceanos; estava em toda parte e em lugar algum...
Eu era todos e era nenhum... Corri, corri, e, de repente. Paralisei.
E desabei sobre os meus joelhos, arquejante: eu era todos e era nenhum;
Não estava cansado, mas apenas aturdido. E solitário, novamente solitário... Foi aí que compreendi.
Eu... era em tudo; tudo era em mim. Eu... era o Eterno Solitário.

Eu,

Era o Enclausurado...
Aprisionado em mim mesmo, não podia mover os braços desmedidos
Para fora do meu ser, pois que o meu ser tinha o Universo por continente.

Eu. Chamei-Me a Mim, então... Jeová.

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